IOF: o regime constitucional e a recente decisão do STF

Recentemente, um imposto que usualmente não é dos mais populares ganhou espaço em todos os veículos de mídia. Naturalmente, estamos nos referindo ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Acompanhando as muitas manifestações sobre o regime constitucional do IOF identificamos mitos e equívocos que ganharam grande repercussão, o que nos motivou a escrever este pequeno texto.

Considerando que a matéria chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal) por meio da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 96 (ADC 96) e das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 7.827 e 7.839 (ADIs 7.827 e 7.839), nas quais foi proferida decisão liminar conjunta pelo Ministro Alexandre de Moraes, apontaremos os pontos de aproximação e distanciamento entre nossa posição e a que foi acolhida naquela decisão.

Neste texto vamos focar nossa atenção apenas na alteração de alíquotas, não abordando outros temas que foram também tratados na decisão, como a incidência do IOF sobre operações de entidades abertas de previdência complementar e o caso do chamado “risco sacado”.

Imposto regulatório?

Um dos mitos repetidos reiteradamente sobre o IOF é que ele seria uma espécie da “imposto regulatório”, que somente poderia ser utilizado para finalidades extrafiscais.

A leitura da Constituição revela que não existe, no texto constitucional, qualquer menção a um “imposto regulatório”. Até mesmo as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico têm finalidade arrecadatória. A revisão dos impostos previstos nos artigos 153, 155, 156 e 156-A da Constituição esclarece que não há referência a um imposto que não possa arrecadar. Como tenho insistido, imposto que não arrecada é uma contradição de termos. [1]

Nessa linha de ideias, todos os impostos previstos na Constituição Federal podem ser utilizados para arrecadar, sem exceção. Da mesma maneira, todos os impostos previstos na Constituição podem ser manejados para fins extrafiscais, ou seja, para que se realize alguma indução, positiva ou negativa, na sociedade. [2]

Dessa forma, segundo vemos é simplesmente equivocado fazer-se referência a “impostos regulatórios”, caso se pretenda, com esta classificação, denotar a existência de um conjunto de impostos que só poderia ser utilizado com finalidades extrafiscais. Portanto, rejeitamos a possibilidade jurídica de um conceito forte de “imposto regulatório”.

Por outro lado, se não existem impostos cuja finalidade exclusiva seja extrafiscal, é verdade que há impostos em relação aos quais a extrafiscalidade é típica e não excepcional. Este é o caso do Imposto de Importação, do Imposto de Exportação, do IPI e do IOF. Embora não seja a posição que vimos sustentando (ver aqui e aqui), a maioria dos autores e autoras parece incluir o Imposto Seletivo neste conjunto.

Assim sendo, entendemos ser possível a utilização da expressão “impostos regulatórios” para referência aos aludidos impostos caso ela denote um conceito fraco, no sentido de que há impostos em relação aos quais a extrafiscalidade lhes é típica e não excepcional.

Analisando o voto do ministro Alexandre de Moraes, notamos que ele não se posicionou de forma explícita sobre este tema.

Com efeito, embora Alexandre de Moraes tenha destacado que o IOF é um “importantíssimo instrumento de regulação do mercado financeiro e política monetária” (p. 5) e tenha citado precedentes do STF nos quais ressaltou-se a “função precipuamente regulatória e extrafiscal” deste imposto (p. 6-7), nada em seu voto nos parece negar que o IOF poderia ser utilizado com fim exclusivamente arrecadatório. Segundo vemos, a manifestação do Ministro Alexandre de Moraes se aproxima do conceito fraco de extrafiscalidade que defendemos acima.

No único parágrafo em que tratou desta questão, o voto do Ministro Alexandre de Moraes pareceu se alinhar ao que vimos sustentando, [3] no sentido de que o problema de utilização do IOF para “fins meramente arrecadatórios” estaria relacionado a um possível “desvio de finalidade” na utilização do regime tributário constitucional excepcional deste tributo. Voltaremos a este tema adiante.

Delegação legislativa limitada e condicionada do § 1º do Artigo 153 da CF

Em recente artigo sobre delegações legislativas em matéria tributária, [4] defendi que a Constituição Federal somente aceita delegações limitadas e condicionadas, no sentido de que o Poder Executivo nunca tem uma competência ampla para inovar o ordenamento jurídico, devendo sempre observar o critério de decisão estabelecido pelo Poder Legislativo.

Com efeito, sabe-se que no caso do II, do IE, do IPI e do IOF, tendo em vista sua função regulatória potencial, [5] a Constituição estabeleceu um regime jurídico próprio, que destoa daquele aplicável aos demais impostos, uma vez que esses tributos estão excluídos da aplicação das regras gerais de legalidade e anterioridade.

A base deste regime especial pode ser encontrada no § 1º do artigo 153 da Constituição, cuja redação é a seguinte:

“§ 1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.” (destacamos)

Este parágrafo evidencia que o regime constitucional atípico do II, do IE, do IPI e do IOF não é arbitrário nem aleatório, mas que depende efetivamente de terem sido atendidas “as condições e os limites estabelecidos em lei”.

Nem esse dispositivo, nem qualquer outro previsto na Constituição Federal, estabelece regra sobre os fins que devem ser perseguidos para que seja legítima a majoração do IOF por ato do Poder Executivo, sem atenção às regras de anterioridade e da legalidade.

Logo, não nos parece que a própria Constituição tenha previsto este ou aquele objetivo para que o IOF seja majorado por decreto. O que a Constituição fez foi delegar ao legislador infraconstitucional a competência para estabelecer tais condições e limites.

Nesse ponto, divergimos da manifestação do ministro Alexandre de Moraes quando afirma que “a finalidade do IOF, que permite a fixação de suas alíquotas excepcionalmente por ato do Chefe do Poder Executivo, portanto, é constitucionalmente estabelecida” (p. 6).

Quando muito é possível afirmar que a Constituição estabelece que deve haver uma finalidade. Nada obstante, essa determinação constitucional foi delegada ao Poder Legislativo, não tendo assento no texto constitucional.

Condições legais para alteração da alíquota do IOF

O Código Tributário Nacional (CTN), ao tratar do IOF, estabelece, em seu artigo 65, que “o Poder Executivo pode, nas condições e nos limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas ou as bases de cálculo do imposto, a fim de ajustá-lo aos objetivos da política monetária”. (Destaque nosso)

Por sua vez, o artigo 1º da Lei nº 8.894/1994 estabelece as alíquotas máximas do IOF sobre operações de crédito e de títulos e valores mobiliários. Segundo o § 2º deste artigo, “o Poder Executivo, obedecidos os limites máximos fixados neste artigo, poderá alterar as alíquotas tendo em vista os objetivos das políticas monetária e fiscal”. (destaque nosso)

Note-se que a redação deste § 2º é certamente vaga e imprecisa. Se “política monetária” é um conceito mais restrito, relacionado à moeda e a sua circulação, presente na Lei nº 4.595/1964, que “dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências”, a expressão “política fiscal” é demasiado ampla.

O artigo 5º da mesma Lei nº 8.894/1994 prevê a alíquota máxima do IOF sobre operações de câmbio e determina, em seu parágrafo único, que “o Poder Executivo poderá reduzir e restabelecer a alíquota fixada neste artigo, tendo em vista os objetivos das políticas monetária, cambial e fiscal”. Neste caso, razões de “política cambial” também autorizam a atuação do Poder Executivo.

Embora o ministro Alexandre de Moraes tenha feito uma referência explícita aos dispositivos da Lei nº 8.894/1994 (p. 7-8), ele não apresentou em seu voto uma interpretação das expressões “política monetária”, “política fiscal” e “política cambial”, o que dificulta a compreensão sobre a adequação da atuação do Poder Executivo neste caso específico.

De outra parte, Alexandre de Moraes deixou bastante claro em seu voto que, embora exista uma espécie de discricionariedade técnica a ser exercida pelo Poder Executivo, no que tange à alteração das alíquotas do IOF, ela é pautada pelos objetivos que seriam determinantes de sua validade (p. 6).

Sobre o dever de motivação

Faz tempo que sustentamos que o exercício da competência prevista no § 1º do artigo 153 da Constituição requer uma motivação transparente do Poder Executivo, [6] sem a qual a atividade de controle do Poder Judiciário fica comprometida.

Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-ago-11/iof-regime-constitucional-e-a-recente-decisao-do-stf/

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