Imunidade de IBS e CBS na exportação de serviços: desafios e dúvidas na LC 214

Exportar serviços e bens imateriais é, antes de tudo, exportar incertezas. Se para bens materiais a fronteira é física, para serviços e bens imateriais a linha divisória entre o que é ou não exportação se resume em dificuldade de interpretação da nova legislação. A recente Lei Complementar 214/2025, ao tentar delimitar a imunidade do IBS e da CBS nas exportações, reacende discussões antigas e inaugura novos desafios práticos e conceituais para aplicação em situações fáticas reais. Afinal, o que caracteriza, de fato, uma exportação de serviços e bens imateriais no Brasil?

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Os últimos meses têm demandado estudos aprofundados a respeito das previsões da LC 214. Realmente, cada empresa deve urgentemente buscar compreender os efeitos da reforma da tributação do consumo sobre o seu negócio, uma vez que a nova lei pode impactar de formas diferentes cada setor econômico. Divergindo de muitas publicações sobre o tema, no entanto, este artigo vem apresentar uma dúvida, muito mais do que respostas. E essa dúvida envolve o tratamento tributário das exportações de serviços e bens imateriais.

Observando diretrizes atualmente adotadas para fins de PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, as exportações serão imunes ao IBS e à CBS, conforme prevê o artigo 156-A, da Constituição. Para além de preservar uma inspiração já presente na legislação tributária atual, a imunidade das exportações assegura consistência do princípio do destino, aplicável inclusive às operações domésticas sujeitas ao IBS e à CBS.

Importante lembrar que a imunidade de tributos sobre exportações no Brasil não é apenas uma questão de política fiscal, mas uma garantia constitucional que visa promover a inserção do Brasil no mercado global, evitando a bitributação e estimulando a competitividade de bens e serviços brasileiros

Aqueles que lidam com os tributos atuais sabem que essa constatação não resolve todos os potenciais problemas. Isso porque permanece o desafio de definir o que é uma exportação.

No caso de bens materiais, a saída do território nacional parece ser, numa primeira aproximação, necessária (e, em muitos casos, suficiente) para caracterizar a exportação. No caso de serviços, por outro lado, esse deslocamento entre fronteiras não é evidente. Logo, pode haver dúvida quanto aos requisitos para caracterizar uma operação com serviços, ou mesmo com bens imateriais, como uma exportação. Prova disso é a infindável discussão sobre o significado de “resultado” do serviço para aplicação da imunidade em relação ao ISS.

Caput do artigo 80: definição da exportação de bens e serviços

Diante disso, ganha relevância o artigo 80 da LC 214, responsável por delimitar os contornos da imunidade de IBS e CBS em relação especificamente à exportação de serviços e bens materiais. Objetivamente, a caracterização de exportação — e, portanto, a aplicação de imunidade — depende do cumprimento de dois requisitos: (I) fornecimento para residente ou domiciliado no exterior e (II) consumo no exterior.

Quanto ao requisito (1), vale notar que o caput do artigo 80 não utiliza os termos “adquirente” ou “destinatário”, definidos na LC 214 e relevantes para operacionalizar o critério de destino estabelecido no artigo 11. Em outras palavras, adquirente e destinatário são termos comumente utilizados na LC 214 para definir o local onde a operação se considera corrida, definindo, portanto, o estado e o município competentes para exigir o IBS. Ao tratar da definição de exportação, esses termos não são imediatamente utilizados.

Ainda assim, é importante compreender suas definições, já que sua utilização surgirá, expressamente, em alguns dos parágrafos do artigo 80. Simplificadamente, adquirente é aquele responsável por pagar a contraprestação pelo fornecimento de bens e serviços (artigo 3°, inciso IV). Já o destinatário é aquele a quem o bem ou serviço é fornecido, mesmo sem se revestir da condição de adquirente (artigo 3°, inciso V).

Apesar da falta de menção expressa, parece que o caput do artigo 80 atribui relevância à figura do destinatário: a caracterização de exportação depende de um “fornecimento para residente ou domiciliado no exterior”. A preposição “para” expressa a ideia de finalidade, destinação, aproximando-se da definição de destinatário, ao mesmo tempo em que se afasta da noção de adquirente, por não estabelecer qualquer menção àquele responsável por arcar com a contraprestação. Analisando apenas o caput do dispositivo, significa que o destinatário do serviço ou bem imaterial deve ser residente ou domiciliado no exterior.

Contudo, não basta o cumprimento desse requisito para que haja exportação (e, portanto, para que seja aplicada a imunidade). Há ainda o requisito (II): o serviço ou bem imaterial deve ser consumido no exterior.

O parágrafo 6º do artigo 80 determina que “consumo” deverá ser compreendido de acordo com o parágrafo 1º do artigo 64, que trata do tema em relação às operações de importação de serviços ou bens imateriais. Para ambos os casos, consumo de bens imateriais e de serviços envolve “a utilização, a exploração, o aproveitamento, a fruição ou o acesso”.

Apesar da tentativa de trazer maior concretude, essa definição ainda veicula noções genéricas e que podem levar a dificuldades práticas de aplicação. Logo, há o justo receio de que essa previsão leve a novas discussões sobre a efetiva caracterização de uma exportação, a exemplo do que se observa atualmente para o ISS (definição de “resultado” da prestação do serviço).

Descompasso entre os requisitos da exportação e os critérios de destino

Antes de aprofundar a definição de “consumo”, vale pontuar o que foi analisado até aqui: o fornecimento de serviço ou bem imaterial para destinatário residente ou domiciliado no exterior não é suficiente para caracterizar uma exportação. Exige-se também que o consumo ocorra no exterior.

Justamente aqui reside a dúvida objeto deste artigo: no caso de serviços e bens imateriais em geral, o artigo 11, inciso X, define que o fator gerador do IBS e da CBS ocorrerá, como regra, no local do domicílio do adquirente. No caso de operações não onerosas que sejam tributadas, o fato gerador ocorre no domicílio do destinatário.

Como se nota, o critério adotado para definir o local da ocorrência do fato gerador para operações onerosas diverge da definição de exportação. Para definir o estado e o município competentes para exigir IBS, importa a localização do adquirente. Essa informação é, em princípio, irrelevante para caracterizar uma exportação. Aqui reside a dúvida: qual o tratamento tributário aplicável a uma situação em que o adquirente de serviço esteja no exterior, mas em que o destinatário esteja situado no Brasil? O que dizer do caso em que, apesar de adquirente e destinatário estarem no exterior, o consumo ocorre no Brasil?

Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-abr-24/imunidade-de-ibs-e-cbs-na-exportacao-de-servicos-desafios-e-duvidas-na-lc-214/

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