Dedutibilidade de despesas incorridas por holdings e repassadas para empresas operacionais do grupo

Qual exatamente é a função de uma holding que detém participações societárias? E mais especificamente, qual seu papel dentro do contexto da tomada de empréstimos no mercado, com repasse dentro do grupo empresarial em que se insere? No final do dia, é essa reflexão que este artigo se propõe a fazer. Isso porque, para conjecturarmos sobre quais despesas são relevantes para determinada empresa, precisamos, primeiro, entender o que essa pessoa jurídica se propõe a fazer e o porquê da sua existência

Dando um passo atrás, é importante lembrar que a legislação tributária exige, para que uma despesa seja considerada dedutível para fins de apuração do imposto de renda das pessoas jurídicas (IRPJ), que ela seja operacional. Despesas operacionais são aquelas não computadas nos custos e necessárias à realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa para que ela siga suas atividades produtivas.

Sendo operacional, a despesa ainda há de ser usual ou normal, considerando a atividade empresária exercida pela sociedade, conforme nos ensina o artigo 47 da Lei nº 4.506/1964, cuja inteligência é refletida no artigo 311 do Regulamento do Imposto de Renda de 2018 (RIR/2018).

Esse texto buscar abordar situação usual no mercado, em que os contribuintes tomam empréstimos via holdings, com pagamentos de juros, IOF e outras despesas, como variação cambial (na hipótese de empréstimos tomados em moeda estrangeira).

Posteriormente, tais empréstimos são repassados a empresas operacionais do grupo (que podem ser tributadas pelo lucro presumido, por exemplo, hipótese em que não poderiam deduzir despesas), em regra, sem custo, para que elas possam realizar determinado projeto, como aquisição de máquinas, participação em processo licitatório ou apenas para consecução de suas atividades operacionais.

Diante de cenários como esse, a fiscalização vem entendendo que, se a despesa foi incorrida para obtenção de valores que vão ser disponibilizados a um terceiro, a despesa não poderia ser necessária à atividade do tomador do empréstimo.

Será que esse racional faz mesmo sentido?

Segundo o tão antigo quanto conhecido Parecer Normativo CST nº 32/1981, define-se o termo “necessárias” como despesas essenciais a qualquer transação ou operação exigida pela exploração das atividades, principais ou acessórias, que sejam vinculadas com as fontes produtoras de rendimentos [1].

Vê-se que a legislação trabalha com conceitos abstratos para fins de definição do que seriam as despesas dedutíveis: necessidade, usualidade e normalidade no contexto das atividades empresariais. Não há, nem poderia haver, uma lista de itens considerados dedutíveis.

Antes de seguirmos, um questionamento importante a ser feito é a necessidade de a despesa ser vinculada expressamente e de forma direta com a obtenção de receita. Não seria possível que determinada despesa, mesmo sem possuir um grau de vinculação direta com a geração de receita, possa ainda assim ser relacionados à manutenção da fonte produtora, e, portanto, dedutível [2]?

Pois bem. Nesse contexto é interessante remetermo-nos ao voto da ministra Regina Helena Costa no REsp nº 1.746.268 [3], de 16/8/2022 [4], no qual se sustenta não ser preciso que a lei preveja a dedutibilidade de despesas para que elas sejam consideradas para fins de base de cálculo do IRPJ. Isto porque, aprioristicamente, todas as despesas seriam dedutíveis para se alcançar a materialidade do imposto de renda. Dessa forma, a proibição de dedução de despesa é que deveria constar da previsão legal, porque a não dedutibilidade de uma despesa é exceção à definição da base de cálculo dos tributos sobre a renda.

Em outros termos: segundo esse entendimento, é preciso que a legislação seja objetiva ao proibir determinadas deduções. Do contrário, hão de ser reconhecidas na apuração do lucro real. Com essa interpretação, a Receita Federal do Brasil (RFB) não teria mais a discricionariedade e a subjetividade de lançar com base em convicções sobre a necessidade e a normalidade das despesas.

Todavia, esse entendimento está longe de ser pacífico.

Jurisprudência do Carf

Especificamente sobre o tema que nos debruçamos na coluna de hoje, é evidente o posicionamento das autoridades fiscais ao glosar as despesas incorridas pelas holdings e, posteriormente, repassadas às empresas operacionais do grupo.

Avaliando a matéria, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) apresenta decisões bastante interessantes.

No Acórdão nº 1402-002.066, julgado pela 4ª Câmara da 2ª Turma Ordinária do Carf, em 20 de janeiro de 2016, o Colegiado avaliou situação em que a fiscalização glosou despesas financeiras incorridas pela Companhia Paranaense de Energia (Copel), com base na suposta indedutibilidade de encargos de empréstimos repassados a subsidiárias a taxas inferiores às captadas pela Copel Holding.

No caso concreto, o conselho julgou, por unanimidade, que é possível que a holding repasse recursos a sua subsidiária operacional tributada com base no lucro real, quando não houver finalidade de evasão fiscal, considerando que, no caso concreto, ambas as empresas são tributadas com base no lucro real. Nos fatos retratados no acórdão, chama a atenção que o lucro da subsidiária foi superior ao da controladora em alguns dos exercícios.

Entretanto, o colegiado decidiu por manter a glosa quando o repasse foi feito à Copel Empreendimentos, que recebeu valores para participar de leilão de rodovia federal. Numa síntese, nesse caso o Carf entendeu que o repasse feito consistia em mera liberalidade da holding, pois a entrega de recursos à Copel Empreendimentos, com encargos inferiores aos suportados na captação, não estava relacionado à atividade-fim da controladora.

Por isso, a diferença de encargos financeiros entre os empréstimos captados e os mútuos concedidos à Copel Empreendimentos não foi considerada dedutível para fins de IRPJ e CSLL.

Já no Acórdão nº 1301-002.489, julgado pela 3ª Câmara da 1ª Turma Ordinária, em 20 de junho de 2016, a origem do processo decorre de glosa de despesas financeiras relativas a encargos de empréstimos tomados pela Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) e repassados à Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemig), sócia oculta em uma Sociedade em Conta de Participação (SCP).

Para a autoridade fiscal, a CBMM captava empréstimos onerosos no mercado financeiro e repassava parte desses recursos a pessoas jurídicas ligadas — especialmente à Codemig, sua sócia em SCP (sem repassar os juros incorridos).

De outro lado, para o contribuinte, os valores não eram “empréstimos”, mas sim adiantamentos relativos à participação da Codemig no lucro da SCP, feitos com base contratual.

Dada essa divergência de intepretação sobre a natureza da relação jurídica entre as empresas em questão, dá-se a divergência de interpretação sobre a dedutibilidade de despesas. Para a fiscalização, a falta de necessidade da despesa decorre do fato de que o contribuinte assumiu encargos mais pesados junto a várias instituições financeiras, repassando valores com encargos menores ou inexistentes à empresa relacionada. Tal operação não faria parte do objeto empresarial, por isso o excesso de encargo assumido seria desnecessário.

Nesse caso o Carf, por maioria de votos, afastou parte das despesas glosadas, por entender que, a fiscalização não teria comprovado o repasse dos empréstimos à Codemig, tendo ocorrido, na verdade, repasse dos resultados. Para o relator, “ausente mínima evidência empírica de que os créditos indicados conservam uma relação, direta ou próxima, de causa e consequência com os mútuos contratados, deve-­se acolher o pleito da recorrente”.

No caso concreto, a empresa autuada também captou recursos junto ao mercado em operações de Adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC) e Adiantamento sobre Cambiais Entregues (ACE), tendo supostamente repassado parte desses empréstimos à Codemig.

No entanto, de acordo com o posicionamento do relator, a fiscalização também não conseguiu comprovar esse repasse, se valendo de proporções imprecisas. Por isso, nesse ponto, a glosa também foi afastada.

Em outra questão analisada no mesmo acórdão, a CBMM efetuou o registro contábil de despesa relativa a desconto comercial negociado com um cliente da própria CBMM. A recorrente explicou em sua defesa — que foi acolhida pelo Carf — que parte desses descontos afetou à Codemig, em razão de sua participação na SCP, e, por isso, realizou os repasses à empresa.

Com relação ao último ponto analisado pelo Carf, que não diz respeito expressamente ao suposta repasse de empréstimo a controladas e coligadas, a CBMM teria emprestado dinheiro a subsidiárias no exterior. Em tais contratos, as subsidiárias se obrigaram a indenizar a CBMM por quaisquer impostos ou despesas relativas ao mútuo. Por serem “dispêndios cobertos pela cláusula protetiva dos contratos de mútuo”, o Conselho julgou por bem manter a glosa de tais despesas, por considerá-las desnecessárias.

No Acórdão nº 1101-001.415, julgado em 18 de novembro de 2024, pela 1ª Seção da 1ª Câmara da 1ª Turma Ordinária do Conselho, foi discutida a glosa de despesas financeiras lançadas pela SKY Serviços de Banda Larga (SKY), com o argumento de que os recursos eram repassados a empresas coligadas, sem cobrar juros ou encargos inferiores.

A SKY alegou que os empréstimos foram utilizados exclusivamente para a aquisição de satélite, ativo essencial à sua atividade de TV por assinatura. Além disso, não teria havido repasse de recursos. Ademais, a defesa afirmou que fiscalização os tratou indevidamente, visto que a conta “contas a receber de coligadas” refletia valores de serviços prestados e rateio de despesas operacionais, ou seja, não se tratava de mútuo ou repasse dos recursos captados.

Avaliando tais elementos, o Colegiado cancelou o auto de infração, por unanimidade de votos, entendendo que a fiscalização não demonstrou que os recursos captados pela SKY foram repassados a empresas coligadas com encargos inferiores ou sem encargos. Dessarte, nesse precedente não houve análise a respeito da possibilidade de realizar tal repasse e em quais circunstâncias.

Por fim, importante citar o Acórdão nº 1201-006.276, julgado em 12 de março de 2024, pela 2ª Câmara, 1ª Turma Ordinária. No caso concreto, uma empresa do grupo captou recursos no mercado junto a instituições financeiras e os disponibilizou para empresas do grupo, via contrato de conta-corrente.

Assim, a Receita Federal entendeu que a empresa tomadora dos empréstimos não poderia ter deduzido os custos atrelados na apuração do seu imposto de renda, considerando que a tomadora só precisou desses recursos para fomentar a atividade de suas coligadas, portanto, em atividade supostamente alheia às suas operações. Ou seja, na visão fiscal, deveriam ser rateados os custos do empréstimo por todas as empresas do grupo, para fins de dedutibilidade.

Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-jul-16/dedutibilidade-de-despesas-incorridas-por-holdings-e-repassadas-para-empresas-operacionais-do-grupo/

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