Decreto abre brecha para ações de restituição do IOF pago com taxas maiores

Enquanto o vaivém de normas recentes relativas ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) é alvo de ações no Supremo Tribunal Federal, uma discussão derivada pode causar ainda mais judicialização.

O tema levado ao STF é a validade dos decretos do Poder Executivo que aumentaram as alíquotas do IOF e do decreto legislativo subsequente que derrubou esse reajuste. Enquanto os ministros não analisam o tema, continua em vigor o decreto legislativo. Mas tributaristas apontam que quem pagou o IOF durante a curta vigência dos decretos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda pode acionar a Justiça para pedir restituição, pois os parlamentares não trataram desse período.

O governo aumentou as alíquotas do IOF por meio dos Decretos 12.466/202512.467/2025 e 12.499/2025, publicados entre 22 de maio e 11 de junho. Eles foram anulados no dia 27 de junho, quando foi publicado o Decreto Legislativo 176/2025.

Embora os decretos presidenciais tenham produzido efeitos até 26 de junho, a tributarista Fernanda Calazans, sócia do Velloza Advogados, defende a possibilidade de contribuintes recorrerem ao Judiciário para reaver o imposto pago antes dessa data com as alíquotas maiores.

Segundo ela, a promulgação do decreto legislativo é “um importante elemento argumentativo, na medida em que foi fundamentado por excesso do poder regulamentar do Executivo”.

De acordo com o tributarista Julio Cesar Vieira Gomes, ex-secretário da Receita Federal e ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o decreto legislativo produz efeitos a partir de 27 de junho. “Portanto, para reaver o que fora pago a maior, o interessado deve comprovar a ilegalidade da cobrança por meio de ação judicial própria.”

Por outro lado, Calazans vê uma tendência, na prática, de que os contribuintes ainda não acionem o Judiciário, para aguardar uma decisão do Supremo sobre o tema.

Três ações sobre o IOF chegaram ao STF. O Partido Liberal (PL) questionou a validade de dois dos decretos de Lula quando eles ainda estavam em vigor. A alegação foi de desvio de finalidade do imposto.

Mais tarde, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e o próprio governo federal contestaram o decreto legislativo, com o argumento de que o IOF é de competência exclusiva do Executivo.

O decreto legislativo não diz quais seriam as alíquotas aplicáveis no período anterior à sua promulgação. Victor Hugo Scandalo Rocha e Luiz Renato Hauly, respectivamente diretor jurídico e diretor econômico do Movimento Destrava Brasil, explicam que, conforme a Constituição, o Congresso só precisa incluir uma previsão do tipo se rejeitar uma medida provisória. Não há essa obrigação com relação à derrubada de decretos presidenciais.

Para eles, seria válido concluir, portanto, que, se os parlamentares nada disseram sobre o período anterior ao decreto legislativo, “os efeitos anteriormente produzidos” pelos decretos presidenciais permaneceriam válidos. Mas eles ressaltam que a anulação dessas normas foi justificada pela suposta extrapolação do poder regulamentar do Executivo: “Ou seja, sua motivação é uma inconstitucionalidade.”

A inconstitucionalidade, segundo eles, é “um vício gravíssimo no ordenamento jurídico”. Por isso, “permitir a manutenção dos seus efeitos deveria ser situação excepcional”. Assim, para Rocha e Hauly, é possível interpretar que a derrubada de decretos do Executivo por meio de decreto legislativo “tende a anular, automaticamente, os efeitos já produzidos, exceto se dispor em contrário (o que não o fez no caso concreto)”.

Mesmo assim, os advogados entendem que só haverá certeza quanto a isso “quando da provável análise a ser feita pelo Poder Judiciário”. Isso passa antes pela discussão de constitucionalidade dos decretos (tanto os de Lula quanto o do Legislativo).

Sem previsão expressa

Para Igor Machado, do escritório Meirelles Costa Advogados, “há possibilidade de judicialização visando à restituição dos valores pagos no período” em que os decretos presidenciais estiveram em vigor.

Como explica o advogado, “não há previsão expressa” na Constituição ou na legislação que invalide automaticamente um decreto desde sua origem quando ele é derrubado pelo Legislativo.

Na prática, a tendência é que “o Executivo e a administração tributária sustentem a ausência de efeitos retroativos, o que poderá ensejar a judicialização da matéria por contribuintes que se sintam prejudicados pela ausência de definição normativa quanto à devolução dos valores recolhidos sob a vigência do decreto sustado”.

Segundo Machado, quando os decretos de Lula entraram em vigor, já houve um movimento de contribuintes que se sentiram prejudicados pelo aumento da carga tributária e acionaram o Judiciário.

Na sua visão, como o tema ainda não foi julgado no STF, a tendência, na verdade, “é que o movimento de judicialização não apenas persista, como também se intensifique”, voltada a esclarecer pontos ainda indefinidos. A “possibilidade de produção de efeitos do decreto presidencial no período compreendido entre sua edição e a posterior sustação pelo Congresso” é um deles.

Já João Colussi, sócio de Tributário do Mattos Filho, afirma que, “nos termos interpretados pela doutrina”, em regra, um decreto legislativo que derruba um decreto do Executivo produz efeitos retroativos. Isto é, o decreto anulado “perde validade desde sua edição, como se nunca tivesse existido, afetando todas as relações jurídicas dele decorrentes”.

A consequência disso, segundo ele, é que os valores pagos com as alíquotas maiores se tornaram indevidos. Por isso, “há possibilidade de judicialização visando a restituição de valores pagos no período em que vigorou a majoração das alíquotas de IOF, em especial se houver uma resistência por parte das autoridades fiscais”.

Barreiras

João Pedro Ramos Garcia, advogado no Ballstaedt Gasparino Advogados, concorda que “é viável ajuizar ação para reaver o IOF pago” nas alíquotas estabelecidas a partir de maio.

Código Tributário Nacional (CTN) prevê o direito de restituição em caso de pagamento de tributo “maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido”.

Além disso, a Constituição só permite que o Executivo ajuste alíquotas do IOF se forem “atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei”. O Congresso considerou que esse requisito não foi preenchido.

Por outro lado, Garcia enxerga algumas barreiras aos contribuintes que pretendam pedir a restituição. A primeira delas é que o próprio decreto legislativo “não previu retroatividade”. Ou seja, em tese, as cobranças feitas até a promulgação da norma são válidas e o contribuinte “deve provar que suportou o ônus econômico ou obter cessão de quem o suportou”.

O próprio governo pode argumentar que o Congresso “apenas revogou a eficácia futura dos decretos, sem lhes retirar validade pretérita”. O advogado aponta que a jurisprudência do STF “ainda é escassa sobre devolução nessa hipótese”.

“Em suma, o decreto legislativo produz efeitos apenas para o futuro, mas há tese, ainda incerta, para buscar devolução dos valores pagos”, conclui.

Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-jul-03/decreto-abre-brecha-para-acoes-de-restituicao-do-iof-pago-com-taxas-maiores/

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