O que há de novo no rateio de custos após a Lei Complementar 214 e o IBS?

O rateio de custos entre empresas integrantes do mesmo grupo econômico é um instituto utilizado no Brasil de longa data. Assim, em determinados tipos de negócio em que se exige a execução de atividades comuns a diversas sociedades integrantes de um mesmo grupo econômico, busca-se concentrar tarefas comuns em uma empresa do grupo, seja no país seja no exterior, assim facilitando-se sua operacionalização e barateando-se o correspondente custo. É o caso de atividades administrativas, de propaganda e publicidade, de contratação de provedores de serviços de tecnologia e de equipamentos, inclusive o próprio desenvolvimento e/ou aluguel de grandes servidores, dentre outras.

Como forma de compartilhar os custos incorridos na execução dessas atividades, entre todas as sociedades beneficiárias, a administração centralizada desses grupos adota uma estrutura na qual os custos são repartidos, contábil e fiscalmente, não como prestações de serviços, mas como mera alocação de encargos, entre os usuários/beneficiários, reembolsando-se a entidade que incorreu nos gastos objeto de repartição.  Aqui temos os dois conceitos que orientam o rateio de custos: compartilhamento de gastos e seu reembolso.

O compartilhamento de custos e despesas, entre empresas ligadas, fortaleceu-se a partir da edição da Lei nº 6.404/76, que introduziu o instituto do grupo de sociedades (artigo 265 e seguintes) constituído pela sociedade controladora e suas controladas mediante convenção pela qual as envolvidas se obrigam a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns.

As primeiras estruturas relevantes dessa natureza foram implementadas ainda em fins da década de 1980 por grupos de instituições financeiras sob o nome de “Contratos ou Convênios de Gestão”, com o objetivo de otimizar o aproveitamento de recursos materiais e humanos, congregando várias entidades, financeiras e não financeiras, integrantes de um conglomerado, as quais equalizavam seus patrimônios líquidos mediante alocação dos custos correspondentes a cada sociedade, consoante critérios objetivos definidos contratualmente. Os convênios sempre foram de conhecimento do Banco Central e objeto de divulgação nas demonstrações financeiras bem como de fiscalização por parte das autoridades federais e municipais, sem que nunca tenha havido qualquer restrição a esse modelo operacional.

O principal fundamento de uso do convênio sempre foi que de sua aplicação não poderia resultar efeito diverso daquele que resultaria caso a sociedade beneficiária da utilidade incorresse, diretamente, naquele custo.

A entidade encarregada de incorrer nos custos, a gestora, resultava reembolsada por todas aquelas que se valiam dessas utilidades.  Com o passar do tempo, esse modelo de negócio, o rateio de custos, passou a ser utilizado pelas empresas brasileiras que se internacionalizaram, globalmente, de tal sorte que gastos incorridos no Brasil resultavam reembolsados por sociedades domiciliadas em outras localidades, bem como gastos incorridos no exterior resultavam reembolsados por empresas brasileiras. Assim, no Brasil o rateio de custos nasceu, prosperou e se firmou, especialmente, como uma oportunidade à luz dos tributos que incidem sobre a renda e o resultado.

Do ponto de vista da Lei nº 6.404/76, a despeito das relações que se criam entre as sociedades e da estrutura administrativa do grupo e de a coordenação e subordinação dos administradores das sociedades filiadas estarem definidas na convenção do grupo, não afasta o fato de que cada sociedade conserva sua personalidade e patrimônios distintos. Assim, a convenção deve identificar a forma pela qual as entidades combinam recursos e esforços para atingir certas finalidades, bem como deve tratar a condição de subordinação dos interesses de uma sociedade aos de outra, ou do grupo, e a participação em custos, receitas ou resultados de atividades ou empreendimentos. O contrato de rateio de custos, no Brasil, está suportado nesse conceito societário, sendo poucos os grupos de sociedades que se formalizaram, como a lei permite para gozo total dessa condição, devendo essa formalização constar das demonstrações financeiras consolidadas e de outros documentos oficiais.

Hoje, passados quase cinquenta anos da entrada em vigor da Lei nº 6404/76, entendemos que o tratamento tributário do rateio de custos entre empresas integrantes do mesmo grupo, formalizado ou não, está praticamente pacificado no que tange a operações locais. Contudo, nos últimos tempos, com a introdução do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a discussão sobre o compartilhamento de custos reaparece com força, no cenário tributário local.

Isso porque a Lei Complementar nº 214/25, que introduziu o IBS e a CBS, em seu artigo 4°, § IV, considera como sujeito a esses tributos o fornecimento não oneroso, ou a valor inferior ao de mercado, de bens e serviços por contribuinte a parte relacionada, assim consideradas as figuras descritas no seu artigo 5°, § 3°. Ou seja, ausente a contraprestação nas operações entre entidades integrantes do mesmo grupo econômico, que são partes relacionadas, será aplicável o valor de mercado como base de cálculo, o que pode gerar distorções no sistema, pois o tributo é de consumo e não sobre a renda.

É de se destacar que norma de similar teor nunca foi editada em matéria de tributos sobre a industrialização, a circulação de mercadorias e serviços e a prestação de serviços havendo, no máximo, regras voltadas a uma base de cálculo mínima no caso de empresas interdependentes, mas nunca o valor de mercado, pois não se está consumindo bem ou utilidade nos termos que o mercado adota.

A disposição voltada a operações e fornecimentos entre empresas relacionadas, para fins de IBS e CBS, assemelha-se, bastante, às normas antielisivas originárias do Imposto sobre a Renda, como é o caso das regras de preços de transferência bem como às determinações que envolvem a distribuição disfarçada de lucros.

Além disso o instituto “grupo de sociedades” é pouco explorado, do ponto de vista tributário, mas o tema merece ser objeto de reflexões, desde já, pelas repercussões que poderá trazer no conjunto de negócios praticados pelos grupos, inclusive pela tradição de uso de rateios de custos no Brasil, frente à reforma tributária e, se bem aplicado, permitindo e sustentando o uso do rateio de custos, dada a facilitação que traz nos negócios.

O Direito Brasileiro opera sob o conceito constitucional de que não havendo estrita proibição legal à prática de determinada atividade, não é ela vedada, porquanto vigora no Brasil o princípio da liberdade de contratar, inclusive a escolha, dentre várias opções, daquela que resulte menos gravosa do ponto de visa econômico. Este princípio serve de vedação para que o Fisco possa exigir tributos em situações não definidas em lei, assim limitando sua competência e permitindo ao contribuinte fazer escolhas. Nesse contexto o uso do compartilhamento de custos e despesas está autorizado pela Lei nº 6404/76, para fins societários, afastando a prestação de serviços entre os integrantes do grupo e a correspondente fixação de um preço por tais atividades, assim evitando distorções contábeis.

É de se destacar que com a entrada em vigor da Lei nº 6404/76 o Brasil recepcionou diversos institutos que consideram os grupos de empresas como se fossem entidades únicas, como é o caso da metodologia de equivalência patrimonial e das demonstrações consolidadas, sem qualquer reflexo tributário. As novas práticas contábeis, IFRS – International Financial Reporting Standards, também operam com demonstrações financeiras consolidadas. A própria tributação consolidada de grupos, para fins de Imposto sobre a e Renda, está sendo retomada.

Resta indagar se a adoção de um grupo de sociedades formal permitiria, também, afastar reflexos tributários em rateios de custos para fins de IBS/CBS. Nossa resposta é sim.

Observe-se que não há no sistema jurídico brasileiro, em princípio, bem, utilidade ou produto que não possa ser rateado/compartilhado, exceto por expressa vedação legal. Para fins de Imposto sobre a Renda, a parcela de rateio atribuída à sociedade brasileira sempre foi considerada dedutível, observadas as condições legais e desde que resulte demonstrado que o rateio atribuído a um contribuinte é custo necessário à atividade desenvolvida. No que tange aos tributos, em geral, cabem alguns comentários quanto ao tratamento do rateio de custos sob a legislação vigente, como se observa.

O rateio de custos/despesas não envolve prestação de serviços, pois este último é contrato que exige, legalmente, a cobrança de preço, o que inexiste na hipótese de rateio, não sujeito ao  Imposto sobre Serviços. Ainda que houvesse cessão de mão de obra, sendo essa gratuita, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no REsp nº 190771-BA, não haverá remuneração, assim afastando-se qualquer exigência de ISS. Embora o ressarcimento de custos/despesas represente eventualmente uma entrada financeira, não implica ele em uma receita de operacão, portanto, não se confundindo com “preço de serviço”. Por fim, o Supremo Tribunal Federal decidiu que não se pode considerar como prestação de serviços o que, na sua essência, não o é, para fins de ISS (RE n° 116.121-3/SP/2000) entendimento que sempre se aplicou na hipótese de rateio de custos.

Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-jul-16/o-que-ha-de-novo-no-rateio-de-custos-apos-a-lei-complementar-214-e-o-ibs/

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